O Instituto Educacional da BM&FBOVESPA, através da Conferência em Gestão de Riscos e Comercialização de Commodities (CGRCC), realizada no final de 2012, divulgou o estudo “Avaliação da Implantação de Mercado de Balcão (OTC) no Brasil: Comparativo entre o OTC Americano, Europeu e Brasileiro”. O tema é interessante porque os mercados OTC ganham cada vez mais relevância no mercado mundial e não é diferente aqui no Brasil. Seu crescimento acelerado e constantes mudanças e adaptações representam um enorme desafio, mas também uma grande oportunidade.
No primeiro slide, citando Viral V. Acharya (1) (vacharya@stern.nyu.edu), os apresentadores da ESALQ descrevem neste trabalho o que seja o “Ambiente OTC”: Aquele (i) em que os agentes firmam contratos estruturados livremente conforme as necessidades e avaliações particulares; (ii) em que as negociações não ocorrem num lugar físico, sendo firmadas por telefone ou sistemas eletrônicos; e (iii) em que as transações são menos regulamentadas que as realizadas em bolsa, ou nada regulamentadas, logo possuem um risco de contraparte mais elevado para os operadores, pois inexistem câmaras de compensação (clearing houses) para fiscalizar e garantir a liquidação dos contratos.
Os problemas detectados, tanto no OTC europeu quanto no americano, são basicamente os mesmos, especialmente depois da crise de 2008, que revelou as deficiências de ambos os mercados: (i) Falta de transparência nas negociações; (ii) falta de uma central de informações sobre a situação das empresas participantes do mercado e sobre sua saúde financeira; (iii) falta de informações sobre os preços dos derivativos; e (iv) falta de um órgão que garantisse todas as negociações.
O interesse da BM&FBOVESPA no tema é evidente, relatórios da European Union Committe(2) apontam que em determinados anos o valor dos contratos de derivativos no mercado OTC europeu chegaram a representar volumes oito vezes superior aqueles negociados em bolsa de valores. Um enorme mercado potencial que passa ao largo dos seus pregões eletrônicos e representa uma considerável perda de faturamento. O modelo de mercado de balcão organizado implantado no Brasil (3) foi inspirado no mercado de balcão da NASDAQ (National Association for Securities Dealers Automated Quotation) e o país conta hoje com uma extensa regulação sobre o tema, maior que a internacional, o que o torna uma espécie de modelo para o mercado de derivativos.
Mas a preocupação é o ramo não organizado. O texto cita que “No mercado de balcão não organizado são transacionados contratos como o de CPR de gaveta, o de soja verde, a troca de insumo por produto, dentre outros conhecidos como fontes alternativas de crédito para a agricultura”. Negócios milionários que ocorrem dentro do chamado mercado de balcão não organizado, que de maneira independente, utilizando de criatividade, também criou mecanismos utilizando pelas partes negociantes para a mitigação do risco inerente a tais contratos, mas, evidentemente, como tais transações não são registradas em ambiente organizado, isto é, em órgãos ou instituições devidamente autorizadas a funcionar e fiscalizadas pela CVM, não existe um controle destes através de um sistema que armazene e divulgue os dados e, assim, carecem de transparência, além da grande dificuldade em se obter informações relacionadas com os contratos realizados dentro deste segmento. O fato é que tem muito dinheiro envolvido nisso.
Como resposta as deficiências do desregulado mercado financeiro americano pós crise de 2008, as chamadas “Normas Anticrise”, os Estados Unidos aprovaram em 21 de julho de 2010 (depois de quase um ano de audiências) uma lei federal chamada originalmente de “Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act”. Esta Lei, de natureza abrangente e complexa, tem 16 títulos e inclui mais de 500 formulações, 1.500 seções e 2.300 páginas, e implementa algumas reformas e regulações à indústria financeira, principalmente no que tange à transparência e proteção ao consumidor. O Dodd-Frank Act considera, também, a compensação central de instrumentos financeiros derivativos padronizados, e a regulação daqueles derivativos mais complexos que permaneceriam negociados em mercado de balcão (entre as empresas individuais, ou seja, fora das plataformas centrais de compensação), em suma, visando a regulação e transparência de todos os derivativos. Esta Lei limitou, mas não excluiu, é claro, as possibilidades de interpretação da Lei e da criatividade dos profissionais do normalmente desregulado mercado financeiro americano, que se baseia mas em princípios do que regras, mas é o maior esforço mundial no sentido de regular o mercado de balcão.
O nosso marco legal no Brasil não é tão antigo como o Securities Exchange Act de 1934 que criou a Securities and Exchange Commission (SEC), congênere de nossa Lei Nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976 que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria, no seu artigo 5º, a CVM: “É instituída a Comissão de Valores Mobiliários, entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária”.
Sujeitos ao regime desta Lei (art. 2º) estão os seguintes ativos considerados “valores mobiliários”: (i) as ações, debêntures e bônus de subscrição; (ii) os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II; (iii) os certificados de depósito de valores mobiliários; (iv) as cédulas de debêntures; (v) as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer Ativos; (vi) as notas comerciais; (vii) os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; (viii) outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes.
Parece que esta lei se limita às sociedades por ações, regidas pela Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976, percepção corroborada pelo artigo 4º que determina entre as atribuições da CVM, além de assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados da bolsa e de balcão (inciso III), a de promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações, e estimular as aplicações permanentes em ações do capital social de companhias abertas sob controle de capitais privados nacionais (inciso II). Ou seja, tanto os mercados de bolsa como de balcão se limitam a negociação de ações e seus derivados, mas o último inciso do artigo 2º lhe confere uma maior abrangência ao determinar que: “(ix) quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros”. Isso significa que, no caso de uma companhia aberta ofertar outras classes de ativos eles serão considerados valores mobiliários e estarão sujeitos à CVM? Que uma companhia de capital fechado na oferta de seus valores mobiliários também deve submetê-los à CVM? Ou, no caso de uma oferta ser considerada pública, a CVM poderia dispor inclusive sobre a venda de cotas de participação no capital de uma sociedade empresária de responsabilidade limitada? Já que o aporte de um ou mais novos entrantes poderia sugerir uma interpretação dúbia para a palavra investimento coletivo”. Ou esta seara permaneceria com o Código Civil?
O artigo 21 determina que a CVM manterá, além do registro de que trata o Art. 19 (“Nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na Comissão”): I - o registro para negociação na bolsa; e II - o registro para negociação no mercado de balcão, organizado ou não. Aqui parece que o regulador irá impor regras de funcionamento, tal como a de registro, para o mercado não organizado, mas se limita a descrever o que sejam as atividades deste mercado.
O Inciso II têm três parágrafos: § 1º - Somente os valores mobiliários emitidos por companhia registrada nos termos deste artigo podem ser negociados na bolsa e no mercado de balcão; § 2º O registro do art. 19 importa registro para o mercado de balcão, mas não para a bolsa ou entidade de mercado de balcão organizado; e § 3º São atividades do mercado de balcão não organizado as realizadas com a participação das empresas ou profissionais indicados no art. 15, incisos I, II e III, ou nos seus estabelecimentos, excluídas as operações efetuadas em bolsas ou em sistemas administrados por entidades de balcão organizado.
O que são estes entes indicados no Artigo 15? São (i) as instituições financeiras e demais sociedades que tenham por objeto distribuir emissão de valores mobiliários, como agentes da companhia emissora (item “a”) ou por conta própria, subscrevendo ou comprando a emissão para a colocar no mercado (item “b”); (ii) as sociedades que tenham por objeto a compra de valores mobiliários em circulação no mercado, para os revender por conta própria; (iii) as sociedades e os agentes autônomos que exerçam atividades de mediação na negociação de valores mobiliários, em bolsas de valores ou no mercado de balcão.
Assim, autorizadas pela CVM a operar como Mercado de Balcão Organizado temos a CETIP Mercados Organizados S.A. (que oferece serviços de registro, central depositária, negociação e liquidação de ativos e títulos, e é líder no registro e depósito de ativos de Renda Fixa e Derivativos de Balcão, concentrando grande parte das negociações eletrônicas de títulos públicos e privados), além do BovespaFix, mercado organizado para negociação de títulos de dívida corporativa, e o Sisbex, para negociação de títulos públicos de renda fixa, contratos de câmbio, títulos privados, contratos de energia e derivados, ambos administrados pela BM&FBOVESPA, principal entidade administradora de mercado de bolsa para as negociações de ações, que são realizadas no sistema Megabolsa. O mercado de Balcão Não Organizado seria aquele onde são realizadas operações que, por exclusão, não são efetuadas em bolsa ou em sistemas administrados por entidades de balcão organizado, desde que contem com a participação de instituições financeiras, distribuidoras, corretoras e agentes autônomos de investimento em sua mediação, negociação ou distribuição.
PERGUNTA: Se a venda de valores mobiliários (ações e outros ativos listados no artigo 2º) é realizada sem a participação destes agentes do sistema financeiro nacional, e desde que não seja emissão pública, porquanto não faça uso de: (i) utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público; (ii) a procura de subscritores ou adquirentes para os títulos por meio de empregados, agentes ou corretores; (iii) a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação, que venham a caracterizar emissão pública conforme Incisos I, II e II do parágrafo 3º do Artigo 19), como se chama este mercado? Mercado desorganizado? Porque não é nem balcão organizado, nem balcão não organizado.
O site Portal do Investidor, mantido pela CVM na sua página na rede mundial de computadores, na definição do termo “Mercados Regulamentados de Bolsa e Balcão” admite que estes conceitos ainda carecem de uma maior definição regulatória: “Em nossa legislação há três tipos previstos de mercados: mercado de bolsa; mercado de balcão organizado; e mercado de balcão não organizado. Entretanto, não há conceito explícito de cada um deles. Os Mercados de balcão não organizado, por exemplo, são considerados aqueles em que as negociações são realizadas com participação de instituições integrantes do sistema de distribuição, que não seja realizada em mercados de bolsa ou balcão organizado. Um conceito residual, embora não se defina o que é um mercado de bolsa ou de balcão”.
A CVM tentou esclarecer essas definições 31 anos depois com a Instrução No 461 de 23 de outubro de 2007 que além de revogar muita coisa, disciplina os mercados regulamentados de valores mobiliários e dispõe sobre a constituição, organização, funcionamento e extinção das bolsas de valores, bolsas de mercadorias e futuros e mercados de balcão organizado (artigo 1º). Na redação desta norma a autarquia manteve a estrutura prevista na legislação quando define no artigo 2º que mercados regulamentados de valores mobiliários compreendem os mercados organizados de bolsa e balcão e o mercados de balcão não-organizados. Replicou a simples menção ao mercado não organizado do artigo 21 da Lei Nº 6.385/76, mas também não explicitou este conceito. No artigo 3º a CVM conceitua o que considera mercado organizado como “o espaço físico ou o sistema eletrônico, destinado à negociação ou ao registro de operações com valores mobiliários por um conjunto determinado de pessoas autorizadas a operar, que atuam por conta própria ou de terceiros”. O parágrafo 1º deste artigo determina que: “Os mercados organizados de valores mobiliários são as bolsas de valores, de mercadorias e de futuros, e os mercados de balcão organizado” e que “Os mercados organizados de valores mobiliários devem ser administrados por entidades administradoras autorizadas pela CVM” (§2º). Ou seja, o mercado de balcão não organizado, como o próprio nome diz, não faz parte dos mercados organizados, apesar de estar contido na definição de mercados regulamentados.
Somente no quarto artigo a instrução define as operações pertencentes a este segmento tão carente de diretrizes: “Art. 4º- Considera-se realizada em mercado de balcão não organizado a negociação de valores mobiliários em que intervém, como intermediário, integrante do sistema de distribuição de que tratam os incisos I, II e III do art. 15 da Lei nº 6.385, de 1976, sem que o negócio seja realizado ou registrado em mercado organizado que atenda à definição do art. 3º”. “Parágrafo único. Também será considerada como de balcão não organizado a negociação de valores mobiliários em que intervém, como parte, integrante do sistema de distribuição, quando tal negociação resultar do exercício da atividade de subscrição de valores mobiliários por conta própria para revenda em mercado ou de compra de valores mobiliários em circulação para revenda por conta própria”.
As 10 linhas do artigo 4º são a mais extensa definição que se pode encontrar do que seria o mercado de balcão não organizado no Brasil. O website Portal do Investidor tenta elucidar os motivos de tão pouca atenção: “Da mesma forma, o conceito de mercado de balcão não organizado se manteve. No que diz respeito aos mercados de bolsa e de balcão organizado, ou mercados organizados, como cita a norma, a instrução não criou conceitos, mas estabeleceu certas características que definiriam um mercado como de bolsa ou de balcão organizado. Nesse sentido, determinou, inclusive, características somente admissíveis ao mercado de balcão não organizado, considerando, para isso, elementos que poderiam criar situações de risco para os investidores. Procurou, assim, deixar a cargo do mercado a escolha pela utilização da estrutura de um ou outro mercado”.
O artigo 59 da ICVM 461 traz uma vedação interessante: a de negociação fora de mercado organizado de valores mobiliários nele listados, mas também elenca uma série de exceções, seis na verdade (4), sendo a primeira delas a negociação privada. Quer dizer, se a ação é admitida a negociação em mercado de balcão não pode ser negociada fora dele, exceto se for uma negociação privada, ou seja, realizada entre as partes, vendedor e comprador, sem a intermediação de integrantes do sistema financeiro nacional, tal como previsto no Artigo 93: “Em mercado de balcão organizado, a negociação ou o registro de operações previamente realizadas pode ocorrer sem a participação direta de intermediário integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários, desde que neste caso, nos termos previstos no regulamento, a liquidação da operação seja assegurada contratualmente pela entidade administradora do mercado de balcão organizado, ou, alternativamente, seja realizada diretamente entre as partes da operação”. Ou seja, negociadas e concluídas diretamente entre as partes interessadas, sem intermediários. Neste caso, prestariam-se ainda ao registro público desta transação, como “registro de operações previamente realizadas”, previsto na ICVM.
No capítulo VII sobre o “Mercado de Balcão Organizado”, a seção sobre suas características abarca dois artigos, o 93, acima citado e o artigo 92: “O mercado de balcão organizado poderá operar por uma ou mais das seguintes formas: I – como sistema centralizado e multilateral de negociação, definido no termos do parágrafo único do art. 65, e que possibilite o encontro e a interação de ofertas de compra e de venda de valores mobiliários; II – por meio da execução de negócios, sujeitos ou não à interferência de outras pessoas autorizadas a operar no mercado, tendo como contraparte formador de mercado que assuma a obrigação de colocar ofertas firmes de compra e de venda; III – por meio do registro de operações previamente realizadas”.
Outra característica de uma negociação privada é não ser realizada através de sistemas centralizados e multilaterais de negociação que possibilitam o encontro e a interação de ofertas de compra e de venda de valores mobiliários; ou que permitem a execução de negócios tendo como contraparte formador de mercado que assuma a obrigação de colocar ofertas firmes de compra e de venda, respeitadas algumas condições estabelecidas na norma, características que uma bolsa deve ter, segundo o artigo 65 e seu parágrafo único: “Entendem-se como sistemas centralizados e multilaterais de negociação aqueles em que todas as ofertas relativas a um mesmo valor mobiliário são direcionadas a um mesmo canal de negociação, ficando expostas a aceitação em concorrência por todas as partes autorizadas a negociar no sistema”.
A Seção II que trata das Regras de Negociação e de Registro do Mercado de Balcão Organizado, é dividida em duas subseções, a primeira, contendo os artigos 94 a 97 trata dos sistemas de negociação, enquanto a segunda, de apenas dois artigos, 98 e 99, trata do sistema de registro. Estes seis artigos carregam o DNA do que seja um mercado de balcão organizado, com interesse pessoal de nossa parte no sistema de registro, a nosso ver, algo que deveria ser estendido ao mercado não-organizado:
Art. 94. Os ambientes ou sistemas de negociação do mercado de balcão organizado deverão possuir características, procedimentos e regras de negociação, previamente estabelecidos e divulgados, que permitam, permanentemente, a regular, adequada e eficiente formação de preços, assim como a pronta realização e registro das operações realizadas.
Art. 95. Quando se tratar de sistema de negociação centralizado e multilateral, a formação de preços deverá se dar por meio da interação de ofertas, em que seja dada precedência sempre à oferta que represente o melhor preço, respeitada a ordem cronológica de entrada das ofertas no sistema ou ambiente de negociação, ressalvados os casos de procedimentos especiais de negociação previstos em regulamento.
Art. 96. Quando se tratar de mercado em que sejam contrapartes formadores de mercado, conforme descrito no inciso II do art. 92, sua atuação deverá ser regulada e fiscalizada pela entidade administradora de mercado de balcão organizado, nos termos da regulamentação específica da CVM para formadores de mercado.
Art. 97. As regras de negociação do sistema de negociação do mercado de balcão organizado devem: I – evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários negociados em seus ambientes; II – assegurar igualdade de tratamento às pessoas autorizadas a operar em seus ambientes, observadas as distinções entre categorias que venham a ser estipuladas em seu estatuto e regulamento; e III – evitar ou coibir práticas não-eqüitativas em seus ambientes.
Art. 98. As regras e procedimentos do mercado de balcão organizado que funcione como sistema de registro devem permitir à entidade administradora identificar e coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários.
Art. 99. Os registros de operações previamente realizadas devem ser feitos por meio de sistemas ou com a adoção de procedimentos que propiciem adequada informação sobre os preços das transações realizadas, inclusive quanto a sua eventual discrepância em relação a padrões de negócios similares, sendo permitida a recusa de registro de negócios discrepantes.
Estas negociações privadas, exceção para quem é admitido em mercado organizado e regra para quem não é, tem no estrangeiro o nome de Private Placement. Uma colocação particular de ações. O mercado over-the-counter brasileiro, sobre o qual muito pouco se sabe e menos ainda dos papéis que por ele circulam - como o caso dos CPR´s de gaveta que chamam a atenção da BM&FBovespa -, precisa de um ente que a represente, não só pela carência de informações, de dados e de pesquisas referentes a tais mercados, mas também por sua lacuna regulatória, como se viu. A saída parece ser a auto-regulamentação.
Grey Market
Nos Estados Unidos, as transações privadas com valores mobiliários que não estão listados em qualquer bolsa de valores, nem formalmente cotadas de forma centralizada na OTC Markets ou na OTCBB, entidades que administram o mercado over-the-counter americano, são considerados como mercado cinza (Grey Market ou ainda Gray Market). Um nome pesado para operações que, afinal, são rigorosamente legais. Aqui no Brasil, onde ações não costumam ser processadas em mercado de balcão, tudo seria considerado Grey Market. Não existe o degrau que os americanos introduziram depois da Grande Depressão de 1930, a fim de dar mais transparência a estas negociações, quando estas passaram a ser relatadas para uma organização de auto-regulação (self-regulatory organization, ou SRO) como a The American Arbitration Association (AAA), por exemplo, que, em seguida, repassava os dados submetidos a sua verificação para o mercado.
Isso começou em 1938, quando a Lei Maloney alterou o Exchange Act a fim de autorizar a constituição e registo das “national securities associations”, que deveriam supervisionar a conduta dos seus membros que por sua vez estavam sujeitos à supervisão da SEC. As cotações nas Pink Sheets já eram publicadas desde 1913 pela National Quotation Buerau, mas esta alteração levou à criação da National Association of Securities Dealers, Inc. – a NASD, uma SRO voltada ao mercado de capitais. Nos seus primórdios, a NASD tinha a responsabilidade primária pela supervisão de corretores e corretoras, estendida mais tarde sobre o mercado de ações NASDAQ. Em 1996, a SEC criticou a NASD por colocar os seus interesses como o operador do Nasdaq à frente de suas responsabilidades como regulador, e a organização foi dividida em duas: uma entidade que regula os corretores e as empresas, e a outra que cuida da regulação do mercado NASDAQ. Em 2007, a NASD fundiu-se com a NYSE (New York Security Exchange), que já tinha assumido a AMEX e a Financial Industry Regulatory Authority (FINRA) foi criada, sendo agora a única SRO do mercado de ações americano.
Financial Industry Regulatory Authority
Esta entidade auto-regulamentadora, semelhante a uma AMBIMA de lá, é a controladora do OTCBB, uma das duas operadoras do mercado over-the-counter. Ela executa e fornece serviços de regulamentação para o OTC Bulletin Board, que é uma edição do sistema interdealer de cotação assinando por e utilizado entre membros da entidade (conforme definido pela Regra FINRA 6530). Formadores de mercado (market makers) subscritores do sistema podem utiliza o OTCBB para entrar, atualizar e exibir em tempo real as cotações de ações elegíveis de sua propriedade em base individual, sendo obrigatório informar posições vendida no mercado over the counter. Tais entradas de cotações pode consistir de um fluxo de compra e/ou oferta precificada; uma indicação não precificada (unpriced) de interesse (incluindo indicações “bid wanted” ou “offer wanted”); ou a compra/venda acompanhada por um indicador da modificação de interesse do cliente. Para apresentar cotações na OTCBB os membros devem cumprir com o disposto na Regra 6400 e todas as 6500 Series, assim como as outras regras e regulamentos aplicáveis.
Em setembro de 2010, a FINRA anunciou um esforço para fornecer uma regulamentação uniforme para todas as questões de balcão e, posteriormente, dar transparência para o mercado de balcão. Este órgão propôs um “sistema de consolidação de cotações” (quotation consolidation system). Sob o pretexto desta consolidação a FINRA exigiria dos concessionários o reporte de todas as suas cotações para o sistema de consolidação, independentemente do mercado em que eles foram originalmente listados. Isso permitiria a FINRA ter acesso a todas as cotações em questões OTC e regular o mercado de balcão na sua totalidade. A concorrente OTC Markets Group, uma empresa privada, hoje líder absoluta das cotações do mercado over-the-counter com 84% de participação do mercado, argumentou que isso era anti-competitivo e um abuso de autoridade da FINRA. Novamente o conflito de interesses.
Aqui no Brasil temos vários códigos de auto-regulamentação em vigência e que de diferentes maneiras contribuem para a evolução do mercado de capital. Entidades como a ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), Abrasca (Associação Brasileira das Empresas de Capital Aberto), o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), e a novata CAF- Câmara de Aquisições e Fusões, mantida pela Anbima, que congrega principalmente os bancos de investimento, a Apimec (Associação dos Investidores no Mercado de Capitais), representante dos gestores de recursos, o IBCG, porta voz das melhores práticas de gestão e a BM&FBOVESPA. As empresas que a elas aderem se obrigam espontaneamente a determinados códigos de conduta por força contratual. Não há, entretanto, uma organização auto-reguladora para companhias de capital fechado, que normalmente são alvos das operações de private placement junto a fundos de investimento de Private Equity e Hedge Funds específicos e que tivesse o propósito de proporcionar mais transparência nestas tranches e seus valuations. Estas entidades auto-reguladoras citadas são entidades de classe sem fins lucrativos, mas podem e até devem ser operadas por empresas privadas, como são tanto a BM&FBOVESPA quanto a CETIP.
A este respeito a CVM elucida em seu website Portal do Investidor: “Os mercados organizados de valores mobiliários devem ser estruturados, mantidos e fiscalizados por Entidades Administradoras, autorizadas pela CVM, que podem se constituir como sociedade anônima ou associação, embora boa parte da estrutura exigida pela norma assemelhe-se muito à organização de uma sociedade anônima”. A Instrução CVM 461 dedica “A esse respeito, tradicionalmente as bolsas se organizavam sob a forma de uma associação de corretoras, detentoras de títulos patrimoniais, as únicas habilitadas a operar nos seus recintos. Com o desenvolvimento do mercado, essa forma de organização evoluiu para um modelo em que as bolsas se constituem sob a forma de sociedades anônimas, com fins lucrativos, em que a habilitação para operar em seus recintos independe da posse de ações ou qualquer outro vínculo, estando vinculada apenas a quesitos estruturais, tecnológicos e formais. A esse processo de transformação das associações em sociedades com fins lucrativos deu-se o nome de desmutualização”.
Num primeiro momento, o mercado não viu com bons olhos a tal da desmutualização: “Essa mudança gerou certa desconfiança do mercado sobre a capacidade de uma sociedade com fins lucrativos criar estrutura independente e eficiente de autorregulação”. Como se vê, esta desconfiança não impediu que o sistema privado de auto-regulamentação se impusesse e, ao mesmo tempo que cumpre seus altos propósitos sociais, quais sejam: organizar, manter, controlar e garantir ambientes ou sistemas propícios para o encontro de ofertas e a realização de negócios com formação eficiente de preços, transparência e divulgação de informações e segurança na compensação e liquidação dos negócios, também se transforme em fonte de lucros exuberantes. Ambas as entidades administradoras em operação no país e autorizadas pela CVM são empresas privadas de capital aberto, o que nos permite avaliar seu desempenho, posto que é público: A Cetip (CTIP3) faturou R$ 1,075 bilhão e lucrou R$ 360 milhões, nos últimos doze meses, conforme o website Fundamentus, enquanto a BM&FBOVESPA (BVMF3) faturou R$ 2,131 bilhões dos quais lucrou R$ 1,081 bilhão. Margens de rentabilidade realmente expressivas.
Há espaço, e diria até necessidade, com o tamanho que a indústria de private equity atingiu no Brasil, superando 100 bilhões em investimentos, para o surgimento de uma organização privada que seja a auto-reguladora para companhias de capital fechado. O volume de operações de Merger & Acqusitions também justificariam esta iniciativa para as sociedades de grande porte, conforme definidas na Lei 11.638/07, mesmo as de responsabilidade limitada. Uma plataforma digital de disclosure com os mesmos objetivos sociais das bolsas e balcões organizados, dar transparência ao mercado (o que influencia a eficiente formação de preços) enquanto age como um facilitador de negócios aproximando sell-side e buy-side através da informação de qualidade. Não uma clearing house porque ainda não é hora, nem um sistema eletrônico de negociação, pois também é prematuro para isso e careceria de um marco regulatório melhor, mas um ambiente onde se pudesse fazer, no futuro, o registro das operações realizadas anteriormente (a CVM deveria ser consultada neste caso, pois pode interpretar que o simples registro das operações realizadas entre as companhias aderentes é competência dos mercados organizados). Mas agora, no atual momento, fosse um lugar de encontro entre entes de mercado que se procuram mas tem dificuldade em se encontrar. Um hub de informações valiosas e perfis corporativos, como um site de relacionamentos onde a indústria do capital de risco pudesse, conhecer, flertar, namorar e até casar com empreendedores e seus múltiplos negócios em operações privadas. Isso faria muito bem ao Brasil nos dias de hoje.
Postado em 21/04/2014
Saiara Kustin
Chairman of the board
OTCBR Markets S.A. Mercados Não Organizado
NOTAS:(1) ACHARYA, V. Et. all. Derivatives- the ultimate financial innovation.cap.10 in Restoring Financial Stability How to repair a failed system, p.1-13, 2009). Fonte secundária. (2) CAVALCANTE, F; MISUMI, Y. J; RUDGE, L. F. Mercado de capitais: o que é, como funciona. 5. ed. São Paulo: Campos, 2005. 371p. Fonte secundária (3) EUROPEAN UNION COMMITTEE.The future regulation of derivatives markets: is the EU on the right track? House of Lords 10º relatório da seção. p.1-175, 2009/10. Fonte secundária (4) Art. 59. É vedada a negociação, fora de mercado organizado, de valores mobiliários nele admitidos, exceto nas seguintes hipóteses: I – negociações privadas; II – distribuição pública, durante o período da respectiva distribuição; III – integralização de cotas de fundos e clubes de investimento, nas hipóteses admitidas na regulamentação específica; IV – evento societário que determine ou permita a substituição ou permuta do valor mobiliário por outro; V – alienação em oferta pública de aquisição; e VI – em outras hipóteses expressamente previstas em regulamentação baixada pela CVM.
